sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A certeza de estar morto!

É isso que os pacientes com a síndrome de Cotard, um tipo raríssimo de delírio de negação dizem, – e com isso, cultivam a ilusão da imortalidade!

 

“Estou morta. Não sou nada. Nunca serei nada. 

Estou completamente morta. Sou uma morta-viva; meu corpo

 é apenas poeira. Logo minhas pernas não me carregarão mais... Meus pulmões são de um cadáver. Podem me radiografar que não encontrarão nada. Dentro do meu corpo há apenas pó. Sou um cadáver que anda para que ninguém me enterre... Não há mais dinheiro para me enterrar. É preciso me jogar na vala comum.  Sou imortal... sou um cadáver grávido. Ando para alimentar o bebê, que também está morto. Engravidaram um cadáver... e eu estou muito, muito gorda.”
Mas não haveria surpresa se essas palavras fossem cunhadas por escritores como Fernando Pessoa, Edgar Alan Poe ou Machado de Assis. Felizmente nem o grande poeta português nem o magistral escritor brasileiro navegaram nas sombrias águas do delírio de negação. Alguns biógrafos, porém, atribuíram sintomas semelhantes a Poe, no final de sua conturbada carreira de poeta e contista genial.

O curioso é que quando alguém diz - e acredita – que morreu confere a si mesmo a epígrafe da imortalidade. Para os psiquiatras, a certeza do paciente de que está morto é conhecido como delírio de negação ou de imortalidade.

Em 28 de junho de 1880,  uma mulher de 43 anos que acreditava que “não tinha cérebro, pulmões, nervos, seios ou entranhas, que era somente pele e osso e que nem Deus e o diabo EXISTEM”. Dizia não necessitar de alimentos porque “era eterna e viveria para sempre”. Havia pedido para ser queimada viva e fizera várias tentativas de suicídio.



Isto é um novo tipo de lipemania, cujas principais características seriam melancolia ansiosa, idéias de danação ou possessão, comportamento suicida, insensibilidade para a dor, delírios de imortalidade e de não-existência envolvendo a pessoa como um todo ou partes do corpo.

PARECE MAS NÃO É
Oito pessoas com tal delírio foram examinadas com tomografia computadorizada , dos quais três eram esquizofrênicos, três tinham uma forma grave de depressão e dois sofriam de transtorno bipolar. Todos apresentaram algum tipo de alteração na tomografia cerebral. Os achados mais proeminentes foram as atrofias que afetam mais os lobos frontais e temporais do que os parietais e occipitais. Embora dessas conclusões tenham surgido evidências de organicidade na origem dos sintomas, ainda reina uma considerável incerteza sobre o fenômeno.

Com a cautela peculiar perante toda hipótese científica, o neurocientista Vilayanur Ramachandran propõe uma teoria com uma lógica interna surpreendente, quase imperiosa, que pode lançar um pouco de luz sobre a nossa compreensão do fenômeno. Segundo o pesquisador, a hipótese é similar à explicação que ele próprio aventou para a síndrome de Capgras. Nesta, mais comum, porém não menos estranha, os pacientes se tornam absolutamente convencidos de que pessoas próximas (filhos, cônjuge, amigos etc.) foram substituídas por impostores. “Ela é, em tudo, parecida com minha mulher, mas não é minha mulher.” O delírio, em alguns casos, diz respeito a ambientes, lugares. O paciente se encontra na casa onde passou toda a sua vida e diz: “Esta não é a minha casa, embora se pareça com ela”.

 “Parece-se com ele, mas não é ele” é a expressão comumente ouvida quando se trata de Capgras.

Uma forma mínima da síndrome de Cotard, bem mais freqüente na prática clínica, é o transtorno conhecido por desrealização ou despersonalização. Tais sensações, na maioria das vezes fugazes, costumam aparecer durante episódios de ansiedade aguda e intensa, ataques de pânico e depressão. Nessas situações, subitamente, o mundo parece completamente irreal, semelhante a um sonho.

 A pessoa se sente como um zumbi
A mente – por mais complexa e poderosa que seja – é apenas um produto do cérebro. Essa é uma afirmativa que permeia todo o conhecimento científico contemporâneo e foi expressa pela primeira vez por Charles Darwin (1809-1882), em meados do século XIX. Se não pudemos ainda desvendar a assombrosa complexidade dos neurônios, o que dizer dos processos que levam a falhas de comunicação entre eles? Ainda não sabemos com precisão tudo o que resulta dessas incorreções, mas nada nos impede de admirar sua grandiosidade. O espanto nos domina quando ouvimos o paciente com a síndrome de Cotard falar dos seus delírios de imortalidade. Talvez porque, no fundo, tenhamos uma ponta de inveja dissimulada. Quantos de nós, ainda hoje, como Fausto, o personagem criado pelo escritor Johann Wolfgang von Goethe, não selaríamos de bom grado um pacto com o diabo, em troca da vida eterna?

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Enfim, este blog se parece MT com o qual eu escrevo, porém não é ele!

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Gustavo Olivier Brassalotto!

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